quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Isso só se encontra no meu sertão e meu sertão é assim que o defino

Isso só se encontra no meu sertão e meu sertão é assim que o defino

I
Mulher prenha com o bucho pela goela
E mais um eito de menino em seu pé
Uma ruma de quengas em um cabaré
Galinha para almoço a cabidela
Um tira gosto de pinga com seriguela
Missa meio dia badalando o sino
Uma mulher limpando merda de menino
E um moço prestando ajuda a um ancião
Isso só se encontra no meu sertão
E meu sertão é assim que o defino
II
Menina de saia curta que quer ser moça
Abandona o comprimento do vestido
Rapaz novo e muito mais pervertido
Prometendo todo amor só para ela
Enlouquece e delira ao beijo dela
E na pressão a pressão já vai subindo 
Se bulir tudo acaba em ambos rindo
Felicidade estonteia em clarão
Isso só se encontra no meu sertão
E meu sertão é assim que o defino
III
Um jumento pega com cia apertada
Um par de cassuás cheio de menino
Uma cachorra magra atrás latindo
Um preguiçoso deitado na latada
Almoço fraco em lata de goiabada
Uma enxada ao meio dia tinindo
Um velho já banguelo e só sorrindo
Uma gaiola de tala com um azulão
Isso só se encontra no meu sertão
E meu sertão é assim que o defino
IV
Tubo de zinco só para guardar feijão
Caixão de tábua repleto com a farinhada
Cuia de oito e um eito de galinhas
Galinha a cabidela ou no pirão
Um cego pedinte clama na procissão
Jipe velho entalado sem destino
Tem Peru no terreiro se enxerindo
Uma casa de taipa sem ventilação
Isso só se encontra no meu sertão
E meu sertão é assim que o defino
IV
Buscar água no açude com mais de légua
Fazer um beiju de forno em farinhada
Uma carga de lenha justa e amarrada
Cavalo com fome comendo berdoégua
Verão castigando, seco e sem dar trégua
Sangue de moça nova se esvaindo
Vagabundo roubando e as leis infringindo
Sem temer nada e sem Deus no coração
Isso só se encontra no meu sertão
E meu sertão é assim que o defino
VI
Carne de bode no espeto bem assada
Canjica e cuscuz com milho bem cosido
Caldo de cana na feira e bem servido
Mata a sede e cura a toda a ressaca
Agricultor brocando e queimando a mata
Na queima da broca bebendo e sorrindo
Na dismatação continua insistindo
Em busca de ter sua sustentação
Isso só se encontra no meu sertão
E meu sertão é assim que o defino
VII
Casa de taipa erguida de pau a pique
Cerca de faxina e cancela batida
Jegue com ancas e viagens repetidas
Buscando água em cacimba ou barreiro
Arapuca armada o dia inteiro
Água de pote em caneco de alumínio
Um velho triste, asqueroso e sovino
Insistindo em ser rico e patrão
Isso só se encontra no meu sertão
E meu sertão é assim que o defino
VIII
De palha tem cigarro e também chapéu
O melhor doce pode ser a rapadura
Quixaba presta estando bem madura
Menino empinando pipa rasga o céu
Violeiro na feira debulha o cordel
Meretriz sem nada na rua da amargura
Carne de porco conservada na gordura
Aqui se come torrada em meio ao pão
Isso só se encontra no meu sertão
E meu sertão é assim que o defino
IX
Riquinho merda que se diz ser coronel
Coronel a impor e ao pobre subordinar
Calça amarrada com embira de croá
Cigarro de fumo fechado no papel
Cantoria de poetas e o menestrel
Emboladores se pegam sem desatino
E um deles terá que ver tudo caindo
Um bêbado em busca de confusão
Isso só se encontra no meu sertão
E meu sertão é assim que o defino
X
Tomar um ponche de maracujá da serra
Dormir ao meio dia na moita de parreira
Comer canto de chinela ao subir ladeira
Animal com arado rasgando a terra
O bezerro desmamado gritando berra
Cedo o vaqueiro tira o leite no curral
Trajado com gibão, chapéu e peitoral
Enterro de pobre em rede sem caixão
Isso só se encontra no meu sertão
E meu sertão é assim que o defino
XI
Em uma calçada um velho fuma o cachimbo
Tem Baião de dois com pequi na chapada
Mulher catando piolho à unhada
Feijão de corda na panela de barro
Menino sujo com o nariz em catarro
Fumaça branca na chaminé subindo
Cabritas ao pai de chiqueiro servindo
Vigia noturno sem uma arma na mão
Isso só se encontra no meu sertão
E meu sertão é assim que o defino
XII
O pão doce servido com quebra-queixo
Enxada que serve até de campainha
Seriguela e imbu com cachacinha
Bicicleta sem guidom também sem o eixo
Forró de pé de serra e remelexo
Proprietário cobrando ao inquilino
Beata bajulando padre reza ao divino
Sabido engana com adivinhação
Isso só se encontra no meu sertão
E meu sertão é assim que o defino
XIII
Tem até aspirante a cordelista
Rabiscando poesia igual eu
Também tem poeta que é ateu
Que só crer no que estiver a sua vista
Esse nem pra Jesus abaixa a crista
Tem raiva de padre, igreja e sino
Para ele, ele traça o seu destino
E não pede que Deus lhe der a mão
Isso só se encontra no meu sertão
E meu sertão é assim que o defino

Geonaldes Elhemberg de Sousa Gomes - 18/ 10/ 2012

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